Nem sequer mais te vejo, mas quando
chega a noite passo horas rindo e conversando com você nos meus sonhos mais
tranquilos, ou nos mais esquisitos, que desisto de encontrar explicação. E não
sei se são assuntos pueris ou uma daquelas nossas conversas complexas sobre a
existência humana, mas lembro de brincadeiras, gargalhadas, uma cumplicidade
que nunca tivemos quando acordados, quando nos víamos nessa realidade formada
por pele, por carne e osso, nós dois, tão palpáveis como essa existência nos
obriga a ser.
Ainda custo a entender o porquê de
você me esperar dormir para me procurar. E me encontrar sem dizer um olá, te
ver partir sem ouvir um tchau, nessa falta de sequência definida típica dos
sonhos, mesmo os mais próximos que conseguimos ter dessa realidade crua, vivida
de olhos abertos. Você simplesmente invade minhas noites, aparece na casa que nunca
foi quando acordado, e conhece pessoas próximas de mim que sequer alguma vez
viu, tudo isso você faz, mas apenas enquanto durmo. E deixa aquela sensação de
nuvem que evapora, inconsistente, como se nunca tivesse passado ali, mesmo
tendo ficado algum tempo, trazendo quem sabe as chuvas, ou tapando o sol, ou deixando
o céu mais bonito, desenhando o cenário de um dia ensolarado.
Nessa noite você estava tão mais alto,
e grande, tão maior do que eu, e aparecia no quarto da minha antiga casa para
me ver. Mas olha que engraçado, você sempre que me visita aparece no quarto que
eu tinha quando criança, quarto grande porque eu era muito pequena, móveis
antigos, cortinas coloridas e brinquedos nas prateleiras, nunca no quarto em
que eu dormia à época em que te conheci, cheio de livros, com uma persiana da
mesma cor de nada da parede, móveis de mogno marrom. Talvez você goste de esmiuçar
a menina que sempre viu em mim. Lembro que nesses sonhos sempre olho para a
janela e ela parece ser tão maior do que é hoje, e me mostra um céu sempre
escuro, mas tão bonito, assim, colorido e estrelado.
Então chega a hora de eu dormir em meu
próprio sonho e você tem que ir embora, querendo ficar mais um pouco, dividindo
esse meu espaço que eu nem lembrava mais que existia, que você nem sequer pediu
permissão para entrar, pelo menos eu acho que não. Nessa noite você se escondeu
debaixo das minhas cobertas, para que minha mãe não te visse ali e te mandasse
embora, e nós ríamos dessa sua tentativa vã de ficar mais um tempo ao meu lado,
perto de mim, talvez porque não fizesse ideia de quando poderia voltar ao
quarto em que eu dormia quando era apenas uma menina.
Eu poderia dizer que as noites que
passo ao seu lado nada mais são do que projeções de minha mente, que por
motivos que nem sei se lembra de você de vez quando, sim, eu poderia dizer isso...
se não tivesse a plena certeza de que mesmo sem te ver, continuo te encontrando
sempre, mas somente em meus sonhos, você precisa esperar que eu adormeça para
vir até mim. E assim vou vivendo, sem entender até hoje o porquê de só te
encontrar quando durmo.