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17 de jul. de 2013

Xangai não é Pequim

 
 
Acordo. Fui acordada. Ouço os acordes da troca do novo sinteco no apartamento vizinho ainda vazio. Doces acordes, espocam ao fundo como som ambiente, junto com britadeiras enfurecidas, fazendo backing vocal para buzinas. Começamos bem às 7h da manhã.
Tomo um café. Desço as escadas e vejo sempre a mesma velha camelô com labirintite. Consigo ver lirismo no jeito que ela conduz seu próprio negócio, pendurando modelos esvoaçantes em cabides tintinabulantes. “Roupas para pessoas conservadoras de opiniões flatulentas".
Penso: Que ótimo slogan ela tem. Atravesso a rua, guardadores de automóveis me espreitam maquiavélicos.
Sob a sombra do relógio/termômetro digital me sinto mais segura. Parcialmente escancarada eu pairo exemplar. Fico bem parada e dispersa como uma eclosão de farinha láctea. Sinto minhas narinas ressecarem em 3 segundos. Minha primeira alucinação involuntária: uma grande figura minha num cartaz publicitário. estou sugando com a “bocaberta" toda aquela emissão à carbonara.
««meu balão de fala como num gibi expressa»»
Não podemos hablar sobre carbono Não podemos hablar sobre aborto
Não podemos hablar sobre capiroto
Falemos de Pogobol
 
Freneticamente meu polegar apertando: “próxima música"…"próxima música"… samba não, rock não, vanguarda não, ópera não, pagode não, MBP não, fado não, funk não, fanfarra não, maxixe não, sertanejo, pop não, bossa nova não, axé não, câncer não, trilha sonora não… NÃO.  

O sol me trazendo significativas manchas epiteliais. Raios amenos de outono adulterado pelo buraco na camada de ozônio. Impressionante, nessas horas nada me apetece. Metaforicamente me torno um fungo em decomposição. Olho sempre para o mesmo prédio, para o mesmo andar, vigésimo quarto andar. A mesma janela entreaberta me exige atenção. Nunca uma viva alma cruza, nunca vida difusa. Sempre uma grade tilintado.
Saio da inércia, passa o ônibus, não é o meu. Sempre me confundo e me excito, mas nunca é o meu. Volto ao marasmo da espera, ainda estou debaixo do filete de sombra. Meu ombro queima. Na minha frente vejo a humanidade avançada. Homens com roupas cor de abóbora, capacetes fluorescentes, marmitas.
Vem o ônibus, entro, pego o troco. Desço na frente da casa deles. O velho estofador e sua esposa velha, catando pulgas de seus gatos na janela.
O velho estofando,  a velha catando pulgas, cena muito recorrente nas manhãs dos meus 20 anos. A velha louca às vezes me sorri, mas é bem raro, acontece quando passo de meias coloridas. Em geral me hostiliza com aquele olhar de velha sarcástica. Mas hoje, excepcionalmente, estava dormindo com a janela escancarada, de bruços, dividindo o pequeno espaço com pulgas e os fiéis felinos.

2 comentários:

  1. Um retrato do cotidiano, muitas vezes com esse aspecto doentio, com tarimba de escritora que sabe manejar as ferramentas de linguagem.
    Legal.


    Beijão.

    Ricardo Mainieri

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    Respostas
    1. Ricardooo!
      quanto tempo, bom saber q vc ainda bebe com a gente.
      beijão!

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Áhh, que fofo você comentar!!!