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20 de nov. de 2013

Crônica de uma cadela pseudo-cult



Primeiramente, quero me apresentar. Sou só uma cadela-pseudo-intelectual que não entende de porcaria nenhuma, mas que tem uma relação quase que sexual-carnal com literatura e cinema. Manifestações artísticas em geral têm o poder de me emocionar, fazendo com que eu chegue ao ápice do gozo. Mas aí eu já não sei se a questão é de fato amor à poesia criada pelo bicho-homem, tão à frente do meu intelecto, ou a falta de um cachorro nesse mundo que realize as maiores barbaridade orgásticas durante o ato do coito comigo. Mas isso não importa.

O que importa é essa sensibilidade que tenho. Ela me levou a fazer uma singela observação que daria um ótimo objeto de estudo para o Tio Benjamim, que se amarra naquele papo de “reprodutibilidade técnica” e a tal da “aura” (oh!) das produções artísticas. Tudo começou em minha primeira visita ao Louvre. É isso mesmo, caras e caros leitores. Sou uma cadela de classe, que mija nos postes do Champs Elysses e pega ventinho no rabo nas bordas do Seine.

E como qualquer canina-pseudo-intelectual que se preze, eu não poderia ter outro sonho além do de conhecer a maior referência de exposições artísticas no mundo. Coisa de louco. Peguei o meu roteiro e comecei a estudar as possibilidades que eu exploraria em meu primeiro dia de visita. Sim, meus queridos e queridas, primeiro dia, porque para os que não sabem, impossível conhecer todas as exposições em uma única jornada. Além de o lugar ser enorme, fatalmente uma hora você vai se cansar e começar a ficar de saco cheio, não aproveitando 100% do que o santuário de obras dos cacuras-pop-star pode oferecer.

Aquilo ali é uma fonte de inspiração para os desejosos em incrementar seu capital cultural, principalmente para aqueles que gostam de fazer a linha “sou-cult-mona-refinada-entendida-de-alguma-coisa-de-história-da-arte”. Mas o que eu não consigo entender em vocês, ex-neandertais, é essa obsessão em ficar tirando foto até da hora em que está no banheiro cagando, o que não poderia ser diferente, é claro, no Louvre. Mas calma. Não que eu tenha visto alguém cagando por lá.


É que no meio daquela formigalhada de gente-bicho-humana, o que tinha de sobra era bípede mais preocupado em tirar foto de tudo o que via, do que tentar entender o que estava vendo e apreciar de fato as obras. “Olha o quadro famoso daquele cara que não sei o nome”. Flash. “Olha aquela escultura que a gente viu na TV”. Flash. E eu, humildemente de quatro e com meu rabinho todo abanativo, não sabia se prestava atenção na exposição ou se me preocupava em me desviar dos milhões de cliques que eram emitidos a todo o tempo, apesar de na entrada eu ter visto uma plaquinha que dava a entender que fotos eram proibidas. Não consegui tirar da cabeça a ideia de que eu era transeunte no tapete vermelho em que as estrelas de Hollywood andam no dia da cerimônia de entrega ao Oscar.

Ninguém resiste a um clichê

Para a minha primeira visita, escolhi, elegantemente, fazer un petit tour pela exposição de antiguidades orientais e depois dar um rolé na de antiguidades egípcias. Mas é claro que não poderia, de forma alguma, abandonar o clichezão-mor-do-Louvre, que é ver o quadro da tia Mona, pintado por Da Vinci e tão aclamado pelos sei lá quantos cantos do mundo. E foi nesse momento que me deparei com a cena mais bizarra do dia. Não era possível chegar sequer perto da obra (que para quem não sabe, é megapequena), porque havia uns vinte milhões de humanos entulhados em frente. Mas longe de estarem contemplando o quadro e tentando entender o porquê daquele raio de pintura ser tão famosa, os pensantes-bípedes estavam apenas preocupados em tirar uma quantidade imensa de fotos da imagem.

E agora eu explico o porquê de o tio Benjamin ter sido citado logo no início desse texto, escrito a partir de minha humilde reflexão animal, que tenta compreender a cabeça de vocês, humanos geneticamente evoluídos e portadores de polegar opositor. Em primeiro lugar, se vocês querem apenas a foto da Monalisa, existe uma coisinha chamada google. Você entra lá, coloca o nome da Mona-Pop na caixinha central e dá enter. Vão aparecer inúmeras fotos e você pode ficar olhando à vontade. Simples, não?

Se você quer guardar uma recordação dessa visita tão especial, tente se dar ao menos o trabalho de encontrar uma obra que não esteja tão facilmente disponibilizada na grande teia da também chamada Aldeia Global, como bem pontuou o delicinha MacLuhan, que não coincidentemente  deve ter sido grande coleguinha do tio Ben. Não tem muito cabimento você buscar a experiência de visitar um museu como o Louvre, para chegar lá e só ficar tirando fotos de todas as obras, que já estão disponibilizadas na internet. Tento entender qual é a lógica que se passa na cabeça de vocês, bípedes-genéticamente-evoluídos, mas juro que tá difícil.

Tudo bem, sempre tem aquele registro que você quer colocar no feice, para tirar onda com uzâmigos, uzinimigos e gente que tu nem conhece, de que esteve no Louvre. Mas cacete, se a intenção é essa, pelo menos se coloque à frente do raio da obra e saia você também na foto. Mas não precisa fazer o mesmo em TODAS que você vê. Porque ir para o Louvre fazer “book” na linha “vim aqui, sentei-lhe o dedo na câmera, e já posso ir embora”, sem sequer contemplar o que está à sua frente, é para mim, no mínimo, incoerente. Liga o computador que é mais prático.


Posso estar errada, minha crítica pode não ter fundamento algum, mas fala aí, Tio Ben, esse atual comportamento do público que se diz admirador de arte rende ou não rende pano pra manga? Pois é, coisas dessa pós-modernidade regida pela sociedade do espetáculo (Gui Debord, aí lóvi iou)... A Mona tá tão Pop, que a cadela aqui só pode contemplar a imagem dela, de fato, pela internet. Talvez pelas mesmas imagens que foram reproduzidas no dia em que estive lá, mas não consegui apreciar nada. E a tal da “aura” vai para a puta que o pariu. 

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