Em uma conversa cotidiana, um amigo relatou um caso particular.
Hetero-de-pinto-voltado-para-fêmeas, foi se aventurar em uma dessas boates
cariocas gays caréssimas, para aproveitar o esquemazinho que arranjou em um
camarote. Porém, ele não deixou de narrar a agonia que sentiu toda
vez que precisava ir ao banheiro. Era constantemente assediado por homens, o
que causou nele um grande incômodo. Como se gostar de bater pintinho com
pintinho fosse sinônimo de um exemplar-tarado-subversivo.
“Então quer dizer que pela primeira vez na sua vida você teve a
sensação de saber como é ser mulher? Sentiu durante algumas horinhas o que nós
mulheres vivenciamos o tempo todo?”. Visivelmente ele ficou chocado com a minha
pergunta. Provavelmente porque, pela primeira na vida, ele se viu obrigado a
refletir sobre. Claro que o meu questionamento causou no mínimo um formigamentozinho
anal. “Eu não senti nada como é ser mulher!”, bradou, incomodado pela
possibilidade de se ver comparado ao tal “sexo frágil”.
Ainda hoje uma amiga postou em seu facebook as peripécias de duas
mulheres sozinhas que se aventuram livremente em uma caminhada à noite, em um dos mais tradicionais
bairros da zona norte carioca. Ela postou algo como “fomos abordadas por dois
homens dentro de um carro, que nos chamaram de gostosas. Como não olhamos, eles
gritaram ‘piranhas’ e foram embora”. Um recado para os machões-de-pinto-ereto
que acham graça nessa brincadeirinha, por mais elogiosa que pareça ser: para
qualquer mulher, ser abordada no meio da rua por um carro, à noite, já é NO MÍNIMO motivo
de desespero. Acho que eu nem preciso explicar o porquê.
Ontem eu estava em uma festa de aniversário, fazendo o que sei fazer
de melhor. Tomando minha cerveja, dançando muito, rindo mais ainda. E ouvi de
dois amigos o que eu ouço com uma frequência maior do que eu gostaria: “Se a
gente não te conhecesse, acharíamos você uma piranha!”. Não que me incomode o
status “piranha”. Dar é muito bom e faz bem para a pele. O que me incomoda e
associarem minha espontaneidade a qualquer tipo de abertura sexual. Como se uma
mulher que bebe, dança e ri fosse sinônimo de uma mulher que está doidinha para
dar.
Dizem que a vida é muito mais fácil para mulheres, principalmente se
forem bonitas, porque elas conseguem tudo o que querem. Não, não é,
principalmente se você trabalha rodeada por homens. Você ouve cantadas “inocentes”
todos os dias. Você ouve piadinhas machistas que, em sua maioria, você sequer
tem vontade de comentar, tamanha a imbecilidade das pessoas que as pronunciam.
Muitas vezes, sua capacidade profissional é questionada em detrimento do seu
rostinho bonito. Talvez porque respeito e reconhecimento sejam apenas
privilégios relegados a homens.
Uma propaganda da Gillette causou indignação em muitos machos, por
fazerem com que se sentissem apenas um objeto que merece ser subjugado por ser “peludo”.
A mesma propaganda foi parar no Conar. Sobre o caso, li um comentário que me
fez sentir, digamos, realizada pelo reconhecimento da
espécie-macho-de-polegar-opositor: “Estamos sentindo pelo primeira vez o que as
mulheres sentem a vida toda”.
Sim, porque nós mulheres crescemos sendo violentadas pelas propagandas
que nos ensinam a sermos princesas belas e intocadas, com o cabelo perfeito, a
pele perfeita, o corpo perfeito e, é claro, sem pelos. Não me lembro de meninas
cabeludas fazendo um motim por se sentirem ofendidas com propagandas de
produtos de depilação. Deve ser porque meninas cabeludas são “porcas”. Não foi
isso que você cresceu ouvindo?
Vem, Lulu, vem
Mas toda essa lenga de lenga de exatos sete parágrafos foi para falar
sobre o novo aplicativo que virou a onda do momento. O tal do Lulu. Nele,
mulheres podem avaliar os homens, em escala que vai desde ao bom ou mau comportamento do moçoilo, até a performance do cara na cama, com direito à descrição do tamanho do membro
peniano do rapaz. Vi várias amigas comentando o quanto o app é engraçado. Tudo
muito legal, tudo muito bonito, não é mesmo?
Pois é. Não, não é. “Mas os homens sempre fizeram isso com a gente”.
Foda-se. Sou politicamente correta? Judge me. Não tive coragem de instalar o
aplicativo, porque não consigo me imaginar vendo amigos, parentes, pessoas
queridas sendo avaliadas e servindo de chacota para meninas que acham divertido
humilhar os outros ou usar a ferramenta como meio de vingancinha particular.
E não me venham falar da “função social” do aplicativo, que seria
alertar as pobres meninas-virgens sobre o carinha que elas estão interessadas.
Pelo o que ando lendo por aí, não é bem para isso que o programa está servindo.
E sim, estou falando sobre algo o qual não tive contato direto, já que eu não
baixei o Lulu. Aos incomodados pela minha "total falta de ética jornalística", bem... lamento.
Que mulheres são essas que clamam por igualdade e aproveitam a
primeira oportunidade para fazer com os outros exatamente o que sofreram
durante toda uma história de violência, de humilhação, de usurpação de seus
direitos mais básicos? Será que essas mesmas mulheres que encaram apenas com
uma “brincadeira” o aplicativo achariam a mesma graça se fosse criado esse app para
os homens? Afinal, até quando o discurso “mas foi só uma brincadeira” vai servir
como justificativa para uma enxurrada de ofensas e legitimação de preconceitos?
O mais interessante é que os homens simplesmente são obrigados a fazer
parte do aplicativo. Se eles quiserem a exclusão, devem acessar um link
informando. Mas deixem-me pensar, não deveria ser o contrário?
Não sou feminista. Não gosto de definições. Não gosto de sinalizar
religião, ideologia, partido político, ou o que quer que seja, por ser muito plural e acreditar que
certas nomenclaturas me limitem ao infinito que posso ser e pensar. Gosto de pensar em mim (e não que eu esteja correta em minha pretensão) como alguém que busca
avaliar, antes de simplesmente escolher um lado e defender desse lado todos os
seus interesses, indiscriminadamente, com unhas e dentes. Se você acha que isso faz de mim uma descrente sem qualquer personalidade ou conhecimento suficiente para defender uma causa, que seja.
Mas tenho certeza de que mesmo as feministas mais ferrenhas não desejariam esse tipo de feminismo, um feminismo que exclua, que ofenda, que seja competitivo em uma eterna guerra dos
sexos, que tem como único fundamento provar quem é o melhor, meninos de bilau ou
meninas de pepeca. Tenho certeza de que essas feministas querem uma sociedade em
que mulheres sejam reconhecidas pelo seu valor, sem serem subjugadas pelo seu
sexo. Pelo menos é nisso em que acredito. E as que não concordam, divirtam-se
com o Lulu. Mas não me venham reclamar quando a pepeca que estiver para jogo
for a sua.
Bem argumentado, moça. Infelizmente, nós homens ainda achamos que invadir a privacidade é sinal de potência. E que ela deve ser afirmada a cada momento. Quanto ao Lulu, vc. está certa. Se serve para reproduzir um comportamento juvenil, de chacota e invasão de privacidade, não serve. Estou divulgando no Face. Beijão. Ricardo Mainieri
ResponderExcluirObrigada pela visita, Ricardo! Vc, como sempre, nos brindando nesse blog! Um beijão!
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