Li por esses dias que nossa vida
é como os trilhos de metrô. Quando olhamos para frente vemos várias
ramificações e devemos sempre escolher qual delas seguir. Mas quando olhamos
para trás, vemos apenas o único caminho que trilhamos, que é um só. O caminho
que é seu. O problema é que, sempre que olho para frente, não vejo nada além de
um único trilho, como se não houvesse escolhas para mim... Na maioria das vezes,
sinto como se eu sequer saísse da mesma estação porque não há caminho para
seguir...
(...)
Chove lá fora. E fico pensando em
todos os lugares onde essa mesma chuva cai, molhando tantos corpos e lugares
diferentes do meu, todos tão distantes. E eu não estou em nenhum deles. Estou
aqui, quieta em meu canto, no meu lugar, exatamente (?) onde eu deveria estar.
Sempre sentindo que não há lugar algum para mim.
(...)
Em um dos meus momentos de
desespero, há aproximadamente três anos, fiz uma lista com objetivos a seguir.
Um necessidade desmedida de ter metas, uma tentativa de inventar um rumo qualquer.
E agora que orgulhosa percebo que consegui cumprir quase todas, que tudo que
poderia nesse tempo tão pequeno, sinto como se nada tivesse mudado. Talvez eu
tenha mudado. E muito. Mas não consigo tirar de mim essa sensação de insatisfação
constante. Esse desespero por não fazer ideia do que devo fazer agora. “Perder-se
também é caminho”, disse Clarice. Mas estou tão inerte, sequer me perdi.
Um dia tive
um sonho
Engraçado que esse texto que faz analogia
às linhas de metrô como se fossem nossas vidas, sempre passando pelas estações
do destino, me fez lembrar de um sonho que tive há um tempo. Talvez agora eu o
entenda melhor do que quando acordei.
Sonhei que estava em uma estação de metrô muito cheia com meus dois irmãos e três
amigos. Quando o trem chegou, peguei na mão de minha irmã mais nova e corri
para um deles, que para minha surpresa estava vazio, quase não havia ninguém.
Logo que entrei, comecei a ficar nervosa, meu irmão não estava com a gente e as
portas se fechariam a qualquer momento. Ao último toque ele apareceu correndo e
sentou ao nosso lado. E disse que nossos amigos iriam em outro vagão. Um tempo
depois de o trem partir, os vagões começaram a se separar um dos outros,
seguindo rumos próprios, sequer sei se havia trilhos no chão. Deveria haver... Quando acordei, imediatamente
entendi que esses amigos haviam saído da mesma estação que a nossa. Mas não fariam
suas trajetórias do nosso lado.
No sonho, passávamos por lugares
onde nunca estive mas que naquele momento eu conhecia. Havia uma floresta linda,
mas os trilhos percorridos pelo meu vagão não poderiam passar por dentro. Nem
mesmo eu entendo como eu sabia que o lugar era tão lindo, já que as montanhas
tapavam a minha visão. Ainda assim eu lamentava, mas ficava feliz por saber, de
alguma forma, que o vagão dos meus amigos passaria por ali. Triste e feliz ao
mesmo tempo.
O vagão foi esvaziando e quando
me dei conta, éramos só nós três. Até que ele parou no meio de uma floresta
escura, nos obrigou a descer a simplesmente desapareceu. Meu irmão disse que
não poderia mais seguir ao nosso lado e deixou minha irmã e eu sozinhas. Ameaçamos
um choro, nos apavoramos, mas sabíamos que não poderíamos ficar simplesmente
paradas ali. Eu segurei a mão dela, ela olhou para mim e disse “agora a gente
tem que ir”. E fomos.
As poucas pessoas que encontramos
pelo caminho vinham no sentido oposto ao nosso. Todas nos davam medo, muito
mais a ela do que a mim. Mas nenhuma, em momento algum, sequer ameaçou nos
fazer qualquer mal. Poderíamos ter parado para conversar com elas, perguntar aonde
estávamos, para onde aquela trilha que percorríamos nos levaria, mas nosso
receio não deixou...
O medo fazia com que corrêssemos todo
o trajeto. Mas eu ao menos tentava correr em um ritmo que fosse suportável para
mim. Já minha irmã queria correr desesperadamente e por isso tinha que parar
várias vezes. O passo desmedido apenas fazia com que ela ficasse exausta. E
quando ela ameaçava parar, para não perdemos tempo, eu a carregava. E
continuava seguindo aquela trilha na ânsia de encontrar seu fim.
Em um dos momentos da corrida eu
olhei para os lados e percebi que a escuridão já havia passado há muito tempo e
estávamos em um lugar lindo, lindo demais para meus olhos já tão acostumados a
não verem nada além de uma estrada que parecia não ter fim. Havia a imensidão
do mar e um sol que tocava as águas, tão grande e tão próximo que poderia me
engolir. E vi as montanhas. Tudo assim, junto, no mesmo lugar. Minha mente
agora, acordada, não consegue conceber essa paisagem. Mas no sonho ela parecia
tão óbvia e perfeita... Só que não o suficiente para me fazer parar de olhar
para a frente e correr, correr, correr...
Então me deparei com uma ponte de
cascos de árvores que ficava a apenas um palmo das águas verdes de um rio. Como
todos os que caminhavam tinham que seguir por ela, conforme andávamos, ela
começou a afundar. E para que minha irmã não se afogasse, eu a levei no colo. A
ponte afundou totalmente, mas ainda assim continuei seguindo o trajeto que ela
fazia. Eu poderia ter nadado por todo o rio, buscado qualquer alternativa. Foi isso
que pensei quando acordei. Mas enquanto sonhava, não cogitava a hipótese de
sair do percurso que a ponte já afundada fazia.
Quando saí da ponte, vi uma casa
enorme à minha frente. Entrei nela, na esperança de encontrar uma porta nos
fundos que me permitiria continuar a caminhada. Mas ao transitar pelos cômodos percebi
que não havia outra saída. E para piorar, minha irmã sumiu, se perdeu de mim...
e comecei a entrar em desespero.
Em um dos cômodos encontrei uma
mulher negra, corpulenta, inspirava uma placidez que eu não tinha naquele
momento. Ela tinha em torno de 60 anos e usava um turbante na cabeça. Pedi
ajuda e ela me indicou uma das salas onde encontrei um senhor muito velho, com
uma longa barba branca, trajando roupas tão clara quanto a cor de seus cabelos.
E perguntei, nervosa, onde estava a saída dos fundos da casa para que eu
pudesse continuar o meu caminho. A resposta que ele me deu, apesar do tempo que
tive esse sonho, não me saiu mais da cabeça.
“Mas que caminho? Não há caminho.
Você chegou até aqui correndo sem nem saber para onde ia. Não olhou os lugares
por onde passou. Você pensa que desse jeito vai chegar onde?”. Parei, em
choque. Refleti. E chorei. Ele abriu uma parede à minha frente, que dava para
um mar enorme, com sol, montanhas, tudo muito parecido com a paisagem que eu
havia visto um pouco antes, mas o céu era rosa e amarelo. Ele continuou.
“Se você quiser continuar
andando, pode ir por essa brecha da parede que eu fiz para você. Mas você vai
para onde? Do que adianta sair correndo, se você os enxerga os lugares por onde
passa?”. Eu havia perdido aquele todo correndo... e mesmo quando não tinha mais
medo, não podia parar de correr, por um motivo que nem existia. Chorei, chorei soluçando
sentada no chão, sozinha e perdida. A confusão não provinha de lugar, mas dos
meus pensamentos. Olhei para os lados na esperança de ao menos encontrar minha
irmã perdida, mas tudo que vi foi meu documento de identidade caído no chão. Peguei
aquele pedaço de papel e rasguei.
E agora lembrei de outro trecho
que li no texto sobre o metrô. “Todos os caminhos são o mesmo, não conduzem a
lugar algum. Mas uns têm coração, e outros não”. Talvez, realmente, sequer
exista um caminho...
Saí da casa chorando e me dei
conta de que, em vez de entrar na casa, eu poderia ter dado a volta e seguido
pelo lado de fora. Mas eu estava tão focada em caminhar em frente, em frente,
sempre em frente, que nem mesmo me dei conta disso. Dei a volta pelo muros e me
deparei com uma cidade linda, formada por monumentos tão perfeitos que se
perdiam em meio à natureza. Era uma céu tão colorido e a harmonia era tamanha,
que todas as milhões de coisas que eu via pareciam ser uma só. Vi uma fonte.
Sente nela e chorei.
Sozinha em meu desespero, ouvi
uma voz que perguntava “mas o que houve, menina?”. Era a senhora negra, de
turbante, sensibilizada com a minha dor. “Estou sozinha e perdida. Não sei para
onde vou”. Ela pegou e minha mão e com sua terna voz me consolou. Mas não me
lembro de quase nada do que ela falou, além de alguns fragmentos perdidos. “Calma,
minha filha. Quando você acordar você vai ver que tudo vai estar melhor. Tudo
passa, você vai ver. Pode chorar à vontade”.
Depois de muito chorar, acordei.
Mas mesmo acordada não me encontro. Não há caminho. Não há caminho para mim.