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13 de dez. de 2010

Quarenta minutos.


"Tinha então 20 e poucos anos e, alguns diriam também, sorte na vida: apesar de alguns traumas na infância - inerentes aos que passam por grandes choques, como a separação dos pais, morte de um ente querido ou ser esquecido na escola - tinha uma situação econômica tranquila, era inteligente, linda e muito simpática. Sempre rodeada de amigos, fazia até mesmo as rivais darem o braço a torcer. Não tinha quem resistisse ao charme de Júlia.

Entre o grupo de amigas de longa data era espevitada e muito querida. Todas, sem exceção, celebravam o fato da pequena ter, além de sorte no jogo, também ter garantido cedo a tal "sorte no amor". Encontrara o par ideal. "Perfeito!", diziam todos. Não deixava de ser verdade. Antes dos 30 anos, o sujeito já era muito bem sucedido. Era culto e doutor, duas qualidades muito apreciadas. Já tinha uma vida estável e não era chegado a badalações. "Onde você vai arrumar outro igual?", bradavam todas. De fato, Danilo era um exemplo de homem. Cavalheiro, gentil, inteligentíssimo - "tem até livro publicado", lembrou uma das meninas. Danilo estava mesmo na prateleira das raridades.

Quando Júlia enfim se formou, anunciou que se arriscaria na carreira de escritora. A notícia agradou a família. A mãe, respeitabilíssima e mulher de fibra, ajudaria e custearia os cursos posteriores. Orgulhava-se do talento da filha e esforçava-se para ajudar em sua educação. Conheceu então muita gente nova, começou a ser reconhecida precocemente pelo seu trabalho. A vida não poderia estar melhor.

Mas no fundo, dentro da jaula do seu coração, Júlia sabia que algo estava para acontecer. As mudanças que a vida nos proporciona são inesperadas e essa é graça em viver. Mas ela tinha medo. Olhava as mulheres que a rodeavam e percebia em cada uma peculiaridades, gostos diferentes, ousadias. Foi aí que conheceu alguém inesperadamente (e não seriam esses os melhores encontros?).

Margarida entrou no café e logo se lembrou da moça que acabara de conhecer na editora. Aproximou-se e deu um sorriso. "Posso me sentar?" A resposta afirmativa abriu precedentes para outros encontros furtivos, no meio da tarde, que a cada dia tornavam-se mais intensos e tornaram-se mais frequentes. Já não sabia o que estava acontecendo. Margarida era uma editora importante, casada e na casa dos 40 anos. Independente e moderna, reclamava sempre das crises matrimoniais, encerrando os casos com a frase "não vá casar, Ju! Isso é uma besteira". Havia se anulado.

Embora ainda viva e alegre, casou-se com um empresário mais velho, vindo de outros dois casamentos e com filhos - o que tirou dela a chance de ter os seus. Júlia, com o tempo, ficava mais intrigada: o que ainda a mantinha junto a alguém tão diferente assim? Depois do chá na confeitaria preferida, Júlia pegou o ônibus e seguiu para o Jardim Botânico, onde encontraria Danilo num sarau. No meio do caminho, ele manda uma mensagem, dizendo-se indisposto. Ela seguiu para a casa dele, onde passavam cada vez mais tempo. Ele resistia em conhecer seus amigos. Ficava em casa, em meio aos livros. Ela passava todo o fim de semana ao lado dele, riam juntos, assistiam filmes, ele cozinhava. Mas de repente, um blackout.

No escuro, ela tateava para tentar encontrar a si mesma. Danilo continuava impassível. Não fazia diferença. Ela relutou em seguir no breu. Mas ia em frente. Como todo cego precisa de um guia, deixava-se levar pelo acompanhante mais próximo, mais antigo, mais perfeito. Mas como saber o que é perfeito quando se descobre que, na verdade, nunca tinha enxergado até então? Na rua, os óculos escuros a ajudavam a barrar a claridade, violenta e penetrante. Tudo era mais vivo, mais vibrante. Tudo eram flores. E quando se trata de um jardim, é sempre assim: todos acham a grama do vizinho mais verde. Ninguém sabia da escuridão do apartamento, ninguém enxergaria luto em meio à fantasia, cada vez mais rota, desajustada, apertada, sufocante.

Acordou em sobressalto. Virou pro lado e olhou o companheiro pela última vez. Almoçaram no silêncio. Ela disse meia dúzia de palavras firmes, recolheu suas coisas e saiu. Do outro lado da cidade, Margarida chegava na praia e lembrava da menina por quem tinha... Tinha o que? Estaria apaixonada? Tentou ligar, mas o celular de Júlia tinha se perdido no caminho. Foi pra casa com a convicção de seguir encenando uma vida que erroneamente tinha acredito ser sua. Ao abrir a porta, a surpresa: o marido estava saindo de casa. Sem lágrimas e sem pudor dizia que não aguentava mais, tinha se apaixonado pela assistente e precisava de um tempo para pensar. Deixou o apartamento alugado no mesmo dia.

Margarida e Júlia marcaram de se ver na mesma tarde, no café onde se encontraram ao acaso pela primeira vez. As palavras corriam todas pelo céu da boca e como estavam embaralhadas, retornavam ao estômago e causavam ainda mais nervoso. Falaram de projeto, dos últimos acontecimentos, das expectativas. Foi Júlia quem tomou então a iniciativa: vamos até lá em casa? A paixão esperou apenas até o carro, onde estariam a salvo da hostilidade e dos olhares de reprovação."

2 comentários:

  1. "Temos só quarenta minutos."Faça dos seus quarenta minutos, os melhores do mundo. Sou dessas... ; )

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  2. Como disse o filósofo alemão: Só quem tem o caos/dentro de si/poderá dar a luz/a grande estrela/bailarina
    40 minutos e a início de um novo mundo de possibilidades.

    Abração.

    Ricardo Mainieri

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Áhh, que fofo você comentar!!!