Já prometi a mim mesma que, caso algum dia eu tenha uma filha, farei o máximo para que ela não seja contaminada por uma dessas histórias infantis
fascistas, em que uma linda princesa vive sua vida em função da espera pelo
pênis-salvador-que-irá-livrá-la-de-todos-os-males-terrenos. Sim, porque para
encontrar a salvação, o príncipe bonitão é a única opção. Você só deve se
manter a mais linda do reino e esperar com o rabo sentado um macho vir te
salvar. De preferência limpando, cozinhando e lavando um castelo cafona.
Para ficar ainda mais romântico, a mocinha renegada, linda e pobre,
ainda sofre todo o inferno causado por uma maluca sociopata, que em geral dava
a ximbica para o pai da princesa enquanto vivo.
Afinal, se a mulher dava para o seu pai, mas não era sua mãe, com
certeza é uma puta de uma vaca. O extremo oposto da princesa, poço de bondade e
ternura. Sim, porque a natureza humana é exatamente divida dessa forma: existem
pessoas que são o exemplo de tudo que é correto e representam o bem, e pessoas
que abrigam apenas a maldade em seu amargurado ser. Ou é do bem, ou é mal, nada
de meio termo. Tipo aquelas baboseira que, depois de passar da fase dos contos
infantis, os adolescentes aprendem assistindo Malhação, simpática programação
exibida todas as tarde na televisão. Patético é pouco. Isso é esquizofrenia total.
Mas voltando aos contos de fadas. Depois de todo esse drama, o amor
tudo supera. E princesa e príncipe se casam (porque tem que ter um casamento no
final) e vivem felizes para sempre. FELIZES PARA SEMPRE! Agora alguém só me
explica que porcaria é essa de felizes para sempre? Sim, porque como todos nós
sabemos, todos os relacionamentos terminam felizes para sempre depois do
casamento, certo? Nada mais correto do que reforçar essa ideia nas mentes e
corações infantis, certo? Pelo amor, essas histórias deveriam ser proibidas
para crianças, que crescem escutando (e muitas acreditando para sempre, mesmo
que inconscientemente) nesse tipo de baboseira. Meninas acreditam que devem, de
fato, ser lindas princesas, durante toda sua bela vida, que obviamente, está destinada
à felicidade plena, exatamente como condenam todos os contos de fadas.
E se por algum mero acaso uma infelicidade do destino não te
proporcionar a beleza única e cativamente que vai arrebatar os corações de todos
os falos pulsantes, fazendo com que os moçoilos caiam aos pés de sua vagina
virgem (sim, porque a xeninha não pode ser deflorada para a história ser
completa), não se preocupe, a indústria de plásticas, cosméticos e pílulas
milagrosas tem o poder de te transformar (ou quase) em um pitelzinho de
primeira linha. Sério, é capaz de, depois de uma boa transformação, você se olhar
no espelho e sequer se reconhecer. Olha que legal. Virar uma princesa igual a
dos contos de fada é uma questão apenas de dinheiro, querida. E para a maioria
de nós, reles mortais, muito dinheiro. Se você não tem, ah-ha, se fode aí,
baranga.
Brincadeira de criança
A verdade é que nós mulheres sofremos lavagem cerebral desde o
primeiro dia em que somos cuspidas a essa malfadada existência. Recebemos
bonecas de presente de aniversário, para já irmos aprendendo a cuidar com maestria
dos projetos bizarros de bebês. Mas vai a menininha querer brincar na rua,
correr, soltar uma pipa, para não surgir aí o problema? É um tal de mãe
histérica berrando “isso é coisa de menino, garota, sai daí que você não é
muleque!”. O oposto também acontece. Já vi muito menino querendo brincar de
boneca, brincar de comidinha, e ouvir esporro dos respectivos genitores, do
tipo “isso é coisa de menina, porra, tu é viadinho, por acaso?”.
O negócio é o rapazote aprender ainda novinho pela boca dos próprios
pais que ele tem que sair metendo o pinto em tudo quanto é garotinha, enquanto
a garotinha aprende que tem que esconder a pepequinha de tudo que é menininho.
Isso desde a mais tenra infância. Péssimo. Deprimente. Mulheres já aprendem
desde crianças a conviverem com uma repressão tão entranhada, que a maioria dos
grandes papis-educadores sequer percebe, ou não se dá ao trabalho de
perceber. Enquanto isso, os homenzinhos crescem aprendendo as táticas de como
ser fodão, livre, leve e solto, com seus brinquedinhos que, sem nenhum remorso
ou culpa, podem incitar a violência à vontade. Para as meninas, Barbies que são
a total representação de modelo estético impossível à raça humana. A sociedade
é patética.
Aí a gente cresce. Sim, nós crescemos. E depois de sofrer esse estupro
mental durante todo o início de nossa construção cognitiva, depois da repressão
imposta pela escola, pela família, pela mídia, antes mesmo que saibamos como
soletrar nossos nomes, somos obrigadas a ouvir como resposta a algum surto psicótico
“isso é coisa de mulherzinha”. E quando poucas de nós conseguem lidar com esse
total estupro mental sofrido durante toda a infância e fugir dos estereótipos repressores
impostos pela sociedade (o que não nos impede de entrar em sérios conflitos existenciais,
é claro), somos julgadas, mal interpretadas, isso quando não aparece um babaca (em
geral, muitos babacas) confundindo liberdade de pensamento com libertinagem
generalizada.
E quer saber? Foda-se também se
eu quiser ser libertina. Nunca tive vocação para Cinderela.
muito bom o texto!!!!
ResponderExcluirmeu orgulho!!!
Thalita Rocha
Palavras de Blindex: Uma chave que abre várias fechaduras é chamada de Mestra, uma fechadura que é aberta por várias chaves é uma porcaria!!! Já dizia mamãe: Prenda suas Cabritas que meus Bodes estão Soltos!! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirPiña coladinha chutando o balde da (de)formação moral e intelectual para a passividade.
ResponderExcluirFazia tempos que não pasava por aqui e teu estilo continua uma delícia.
Beijão.
Ricardo Mainieri
Obrigada, Ricardo :)
ResponderExcluirGrande artigo! Muito bem escrito, mesmo! Quanto a mim, apesar de homem,sempre tive uma alma mais feminina (ou o que é tradicionalmente considerado como feminino). Apesar dos meus pais nunca terem reprimido as minhas brincadeiras de criança com as meninas do bairro, brincando de boneca por exemplo, eu me fui sentindo meio que policiado pelo resto da sociedade e escondia a pessoa que era para não passar vergonha (olha que triste). Mas secretamente eu continuava me desenvolvendo e forjando a minha sensibilidade e personalidade. E claro que absorvi bem cedo toda essa merda de principe e princesa e também idealizava viver feliz para sempre com o meu principe que na altura eu idealizava como uma espécie de Papai Noel com t-shirt justa e piercing na sobrancelha. Como resultado sofri um desapontamento brutal no inicio da minha idade adulta e creio que sequelas dessa lavagem cerebral ainda irão infelizmente perdurar pelo resto dos meus dias. Creio que é bom as crianças crescerem com um olhar otimista e esperançoso sobre a vida em geral, mas contar mentira e ensinar coisa errada não vale, né?
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