Tentei escrever, mas não consegui. Fiquei assustada com as palavras que não eram cuspidas de minha boca, nem riscadas no papel. Eu sempre quis compor poemas. Mas sei que não sou de natureza organizada para conceber letras bem alinhadas. Meus pensamentos são muito soltos para serem formatados em belos versos. Uma desculpa que inventei agora, para justificar a grafia que não voa tão alto, tão rápida quanto meus sentimentos. Sempre perdidos, bem longe do chão. Distantes de mim.
Sou filha parida de muitos úteros, nenhuma casa, nada é meu. Poderia ter tudo que tocasse. Mas tudo que preciso levo comigo, guardado em mim. Não quero mais nada além disso. Não quero ser tocada.
(...)
Mamãe me criou com laços de fita no cabelo e belas canções de ninar. Velava meu sono em um quarto enfeitado com bonecas de porcelana e ursos de pelúcia. Eu passava os dias ensaiando poesias, hábito o qual me dediquei mesmo antes de aprender a escrever corretamente. Ela aplaudia meus rascunhos bordados com letras infantis. Não levo em minha memória recordações de tardes em que brincava correndo pela rua, sujando o vestido de seda limpo e bem ornamentado. Eu era feliz assim, sozinha em meu canto com papéis de carta e canetas coloridas.
Mas não sou nada disso. Cresci, não sei quem sou.
(...)
Quando fui cuspida à vida não chorei. Cansada, aceitei com resignação a incumbência de suportar minha alma presa nesse embrulho de carne. Passaria meus dias tentando esquecer a sensação de ser livre. Quase consegui.
Mas não sou nada disso. Cresci, não sei quem sou.
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Quando fui cuspida à vida não chorei. Cansada, aceitei com resignação a incumbência de suportar minha alma presa nesse embrulho de carne. Passaria meus dias tentando esquecer a sensação de ser livre. Quase consegui.
Meu castigo por ousar pensar em renegar o útero que me acolheu seria um só: eu jamais conseguiria descrever o longe que meus pensamentos pudessem atingir. Eles sou eu, mas estão muito fora de mim. Não os alcanço. Viro do lado avesso, vasculho tudo dentro de mim. Nada adianta. Eles estão lá fora, não sei se encontro mais alguma coisa aqui dentro.
Quando fui cuspida à vida não chorei. Mesmo após o médico dar incessantes batidas naquela aglomeração de carne que agora era minha. “Já nasceu morta”, sentenciou.
(...)
Quando eu tinha quatro anos, tentei explicar à mamãe o que eu sentia. Ela não entendeu. Ninguém entendeu. Eu ainda não sabia escrever. Peguei a caneta e enfiei em minha vagina. E fecundei ali todas as idiossincrasias que ensaiavam se manifestar em mim. Meu útero latejava. Precisava de mais líquido.
E da fecundação que fiz em mim, mais uma vez nasci. Eu saí de mim mesma, gemendo e gozando uma vida que ainda não conhecia. Depois nasci muitas e muitas outras vezes, parida de outros úteros, alguns muito diferentes do meu. Nasci em cada lágrima caída, em cada sangue derramado, em cada desejo saciado, em cada amor que não senti.
Mas não escrevi um único verso sequer, sobre nada disso.
(...)
Sou filha... de uniões incoerentes, conflitantes, contraditórias. Sou fruto do meu amor e do meu não-amor por todo esse efêmero que é a vida. Sou concebida de novo e mais uma vez a cada instante em que me encontro, e me perco, e me abandono. Sou refém dos sentimentos que não sinto, que não tenho.
Sou uma poeta que não sabe escrever.
Quando fui cuspida à vida não chorei. Mesmo após o médico dar incessantes batidas naquela aglomeração de carne que agora era minha. “Já nasceu morta”, sentenciou.
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Quando eu tinha quatro anos, tentei explicar à mamãe o que eu sentia. Ela não entendeu. Ninguém entendeu. Eu ainda não sabia escrever. Peguei a caneta e enfiei em minha vagina. E fecundei ali todas as idiossincrasias que ensaiavam se manifestar em mim. Meu útero latejava. Precisava de mais líquido.
E da fecundação que fiz em mim, mais uma vez nasci. Eu saí de mim mesma, gemendo e gozando uma vida que ainda não conhecia. Depois nasci muitas e muitas outras vezes, parida de outros úteros, alguns muito diferentes do meu. Nasci em cada lágrima caída, em cada sangue derramado, em cada desejo saciado, em cada amor que não senti.
Mas não escrevi um único verso sequer, sobre nada disso.
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Sou filha... de uniões incoerentes, conflitantes, contraditórias. Sou fruto do meu amor e do meu não-amor por todo esse efêmero que é a vida. Sou concebida de novo e mais uma vez a cada instante em que me encontro, e me perco, e me abandono. Sou refém dos sentimentos que não sinto, que não tenho.
Sou uma poeta que não sabe escrever.
Quem sabe a Piña Coladinha seja uma poeta que, não está conseguindo se ver neste papel. Pois a poesia não é só harmonia, beleza, flores, corações apaixonados. Ela pode ser dark, sórdida, mal-cheirosa e, mesmo assim, ser boa poesia.
ResponderExcluirA boa poesia, também, dói, faz chorar de raiva, de impotência, de desespero.
Quem sabe vc. tenta!
Beijão.
Ricardo Mainieri
Obrigada pelo incentivo, Ricardo, mas não sou o tipo de pessoa que tem paciência para tentar (grave defeito). Comigo ou flui, ou não flui.
ResponderExcluirbjs!
Imagina se soubesse, que puta poeta seria (desculpe o trocadilho)! Senti uma conexão com meu texto de hoje: http://contosneuroticos.blogspot.com/2011/10/little-girl-blue.html
ResponderExcluirObrigada rs Li seu texto. Sua personagem decidiu ser solitária. A minha ainda não sabe oq é ;) bjss
ResponderExcluiracada dia vc me surpreende...
ResponderExcluirThalita Rocha
Realmente, como respondi seu comentário, ainda acho a solidão o pior caminho.
ResponderExcluirVou te ser sincera, ando lá com minhas dúvidas.
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