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24 de mar. de 2012

Arpoador



Quero falar sobre a chuva, que durante a madrugada regou as ruas dessa
cidade de concreto. Sempre que estou triste, chove. É como se o céu chorasse por
mim as lágrimas que não derramo. E eu, que amo tanto sentir a chuva, nunca me
molho. Eu só ouço, só olho.

(...)

Nunca senti tanta necessidade de mergulhar no mar como nessa manhã. Só
para poder sentir, nem que fosse por um único momento, essa sensação de
liberdade que não é minha, que não tenho. Mas o mar percebeu o que eu queria e
colocou suas águas de ressaca. E me fez entender que eu não estava pronta para
me desprender de mim desse jeito. “Você não suporta sua liberdade”, ele falou.
Eu não mergulhei.

(...)

Subi as pedras e fiquei olhando o sol nascer. E todo o desassossego em
mim foi se diluindo com o sopro do vento salgado... foi se dissolvendo. Pena o azul do céu não ter vindo me cumprimentar e dizer: “Oi, tudo bem? Você por aqui? Escuta, tudo bem você não
ter entrado no mar. Estar por aqui já é um começo”. Só que ele não veio. Mas
mesmo escondido sob as nuvens, me presenteou com uma das paisagens mais
lindas que meus olhos já viram. Era exatamente o que eles precisavam ver e meu
corpo sentir. Céu e mar brancos. Os dois se amavam, gozavam sob meu
consentimento. Eles eram um só.

Concepção
Pensei em chorar, mas por quê? O que seria o pouco sal que brotaria de
meus olhos, comparado ao infinito sal que meus olhos contemplavam naquele
momento? Fechei as pálpebras secas e respirei fundo a maresia, enquanto sentia
a vida entrar em mim. E abri os olhos para ver a vida... nascer de mim.

(...)

Eu queria ser uma daquelas gaivotas que dançavam no céu opaco e
esfarelado. E escolhia sempre uma para acompanhar com o olhar, enquanto
imaginava como seria estar ali... e voar. Como consolo, o vento embalou com
carinho meu coração e sussurrou em meu ouvido que eu aprendesse a aceitar esse
corpo que limita minha alma. “Mas não deixe que seus pensamentos e sonhos se
limitem”. Mesmo falando baixinho eu escutei, apesar de toda a limitação que há
em mim.

(...)

Como podia a felicidade estar ali tão perto, todo esse tempo, sorrindo?
Ela estava ali, e eu não podia chorar em sua presença. Eu não tinha esse
direito. Mas eu quero, eu preciso de alguma forma, escoar a vida presa dentro
de mim. Só que não sei se meus olhos suportariam a enxurrada. Nem sei se essas águas
aliviaram o peso no meu coração.

Quando tive que ir embora dali, quase chorei.
Eu deveria ter chorado.

Eu não queria abandonar o consolo que encontrei para minha alma. Estou
tão presa em mim mesma, que já me abandonei demais.

(...)

Eu acordaria ali todos os dias de minha vida. Mas esse mundo em que
vivo, que não é o meu, não me deixaria fazer isso. Existe algum lugar para mim?
Um lugar além de mim, justo eu, que nunca me encontro. Não deixo de me
perguntar se eu suportaria lidar com a liberdade desse meu não lugar.

Eu fui embora. Voltei, mas ainda não sei se eu estava pronta para
voltar.

(...)

Descoberta
Enquanto eu caminhava pelas ruas, já sentia o coração que novamente
doía. Mas se não fosse essa dor, aquele nascer do sol não teria redimido minha
alma. Devo me perdoar pelos erros que acredito ter cometido? Foi quando, pela
última vez, ouvi o vento sussurrar:

“A tristeza é necessária para que você possa compreender a plenitude
de simples momentos de felicidade”.

Fui dormir triste.
Quando acordei, chovia novamente. Ainda chove... em mim.

3 comentários:

  1. O mundo externo é, muitas vezes, um espelho do que nos vai por dentro. Vc. com sensibilidade vai descrevendo as identidades que encontra entre o que se passa nos confins da alma e o que se sente nas paisagens de fora.
    Ficaram muito bons estes flashes, assim soltos, como uma catarse.
    Aproveitei e divulguei o trabalho das "bebuns" literárias lá no meu Facebook. Esperam que recebam visitas dos bebuns amigos.

    Beijão.

    Ricardo Mainieri

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  2. Obrigada, Ricardo. Como sempre, um fofo! bjs

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Áhh, que fofo você comentar!!!