Rio de Janeiro, 07 de março de 2010
as pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguém com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos do nada.
os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
que não são, embora sejam.
que não falam idiomas, falam dialetos.
que não praticam religiões, praticam supertições.
que não fazem arte, fazem artesanato.
que não são seres humanos, são recursos humanos.
que não tem cultura, e sim folclore.
que não tem cara, tem braços.
que não tem nome, tem número.
que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
os ninguém, que custam menos do que a bala/chuva que os mata.
[eduardo galeano - o livro dos abraços]
Grande Eduardo Galeano. O jornalista-escritor uruguaio das "Veias Abertas da América Latina", de "O livro dos abraços" e de tantas outras preciosidades.
ResponderExcluirA crítica ácida e comprometida com os desvalidos.
Quem neste atual momento sórdido mundial tem a coragem de dizer que o capitalismo mata mais que as doenças crônicas ou epidêmicas?
Muito poucos. Galeano é um deles.
Ricardo Mainieri
Ostras entre o lajedo e o mar: e a morte indecente! O Estado sempre ausente e criminoso nas sombras...
ResponderExcluirAdoro quando vcs lançam pílulas de palavras por aqui!
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