A época mais esperada do ano estava chegando. Para ele, lógico. Ela já sabia o que esperar: horas a fio de futebol na TV, latas de cerveja espalhadas pela casa, marmanjos escandalosos e, neste ano especial, as tão aclamadas vuvuzelas! (Pode existir coisa mais irritante?).
Era ainda a primeira Copa que passariam juntos. Eram meio namorados, meio casados. Dividiam - em tese - um apartamento na Glória, "pequeno, mas aconchegante" (como gostava de lembrar). Em tese, porque ele ainda se dividia entre a casa dos pais e o novo lar. Ela ficava puta, óbvio, dizia que era falta de maturidade, blá blá blá. Mas a questão agora era séria. Não era o ronco, não era o medo de casar, não era SÓ futebol: era o início da Copa do Mundo.
Ele fazia questão de assistir TODOS os jogos. Organizou bolão entre os camaradas, participava de concurso de decoração no trabalho, apostava em todos os lugares. Parecia pinto no lixo. "Literalmente!", ela pensou. No primeiro jogo, muita excitação. Até ela convocou as amigas. Todos torciam pela Baphana Baphana! O jogo morno, que terminou em empate com o México, foi motivo de horas de debates acalorados no jantar. Terminaram na cama. Ele estava empolgado, com fôlego de criança. Ela começou a mudar a pensamento em relação ao evento: se ele vai me comer assim durante a Copa inteira, eu quero mundial todo ano!
Foram nove dias de felicidade. Mesmo quando a Argentina ganhou da Nigéria (o que era óbvio) ele não desanimou. Seu "hermano" entrou em campo. A bola rolou a noite inteira! O jogo da Alemanha também foi sensacional!!! Os quatro gols deram ainda mais entusiasmo... Ela começou a ter fantasias com os jogadores, secretamente, claro! Afinal, aquele tanquinho à lá Canavarro não era o forte do nosso campeão...
Foram passando-se os dias, o apartamento todo decorado! O mesmo grupo de amigos, que incluía também a mulher de um colega de trabalho dele, se reuniria para assistir à grande estreia do Brasil! Muito estardalhaço, cerveja a rodo, o prédio todo decorado. E ela só torcia para a seleção ganhar e o jogo começar entre quatro paredes.
O jogo contra a Coréia do Norte deu trabalho. Kaká jogou porra nenhuma, só deu pinta em campo. Pausa. No intervalo ela já notara no companheiro fanático o desânimo típico dos perdedores... A outra rapariga presente estava na janela, fumando um cigarro. Como boa anfitriã, ela puxou conversa:
- Mas que merda de jogo, né?
- Ô...
(silêncio)
- Seu marido também é fanático?
- (sorriso sarcástico) Ele não é meu marido...
- Ah, sorte a sua! - respondeu prontamente - Namorado, então?
- Acho que sim... Não me prendo à essas conveniências. (E deu um sorriso muito maroto).
As duas continuaram na varanda, olhando a paisagem, meio desconfortáveis com a presença da outra. Porém, o que se podia fazer? Falaram sobre o tempo (como todos que não tem assunto), sobre futuro, sobre física quântica, sobre futebol - lóxico - até chegarem no assunto preferido: sexo. Falaram sobre valores morais, sobre preferências, posições, experiências. A cada instante iam percebendo o quanto eram parecidas, apesar das diferenças: a visita trazia no corpo milhares de tatuagens enquanto a anfitriã discretamente deixava a mostra parte dos seios pelo decote da blusa customizada.
Galvão anunciou o início do segundo tempo. Como nada de bom acontecia naquele jogo, foram tentar puxar conversa com os rapazes, sobre as impressões que tiveram da conversa informal. Falavam animadamente das coincidências, das viagens em comum, dos amigos que partilhavam. O máximo que ouviram foi um único: "nossa, que legal! agora dá uma licencinha amor?"
Como não poderiam conversar na sala, foram para o quarto. E como as risadas eram seguidas sempre por "shiiii!" ou sonoros "cala a boca!", seguidos por vuvuzeladas, ligaram o som. A trilha escolhida era diversa. Começaram com Massive Attack. Para aliviar o estresse causado pelos chatos da sala, deitaram despretensiosamente na cama. Rolavam de rir com as histórias. E se esbarravam e empurravam, gargalhando das histórias... Os perfumes se misturavam no ar. Como eram cheirosas, como as peles eram macias e se entregavam ao toque. Os olhares se encontraram de maneira forte e direta. Não titubearam: ao som das vuvuzelas, traíram seus parceiros alienados. Foram fiéis a si mesmas. Ganharam dos rapazes por W.O.
Gozaram no segundo gol. Os gritos de prazer se fundiam às cornetas e urros masculinos. Eram delicadas. Entreolharam-se. Riram, abraçaram-se. Tomaram um banho e voltaram à sala. Fim de jogo na terça. Despediram-se todos. Na porta, ela ratificou: domingo aqui em casa galera! E que venha a Costa do Marfim!
a la João Ubaldo Ribeiro...muito bom...
ResponderExcluirO homem sem chifre... é um animal indefeso!
ResponderExcluirque delícia, eu vou também, domingo tô lá pq a seleção tá mega entediante!
ResponderExcluirEncontraram coisa mais interessante para fazer, porque aquele jogo foi entediante...
ResponderExcluirParafraseando Fernando Pessoa, prefiro ser traído, mas ridículo, nunca...(rs)
Ricardo Mainieri
"O homem sem chifre é um animal indefeso" eheheheh
ResponderExcluirsensacional
Adoreeeeeeeeeeeeeeei
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